Por Patrícia Iglecias, superintendente de Gestão Ambiental e professora da Faculdade de Direito da USP, e Fernanda da Rocha Brando Fernandez, assessora da Superintendência de Gestão Ambiental e professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP

A 30ª Conferência das Partes sobre Mudança do Clima (COP30), realizada em Belém, terminou com o amargo sabor de um acordo que reconhece urgências, mas ainda reluta em enfrentar as causas centrais da crise ambiental. Ignorar a necessidade de eliminação gradual dos combustíveis fósseis e postergar mecanismos efetivos contra o desmatamento é optar por uma diplomacia sem lastro, elegante nos discursos, insuficiente na prática. Não há jornalismo ambiental sério que consiga cobrir essa lacuna sem apontá-la de forma direta. E é justamente nesse contraste que a participação da USP assume relevância maior do que a representação acadêmica: foi um gesto institucional, científico e, sobretudo, civilizatório.

Enquanto as negociações internacionais demonstraram cautela excessiva, a USP levou a Belém exemplos concretos de soluções sustentáveis, experiências de governança ambiental e iniciativas de impacto direto em mitigação climática, bioeconomia, economia circular e descarbonização. A atuação de seus representantes em diferentes espaços da conferência evidenciou a capacidade do meio acadêmico de oferecer caminhos onde os acordos internacionais vacilam.
A Superintendência de Gestão Ambiental (SGA) exerceu protagonismo estratégico ao articular essas contribuições, agindo, muitas vezes, como ponte entre produção científica e tomada de decisão. Ancorada na experiência de gestão ambiental universitária, a SGA levou à COP práticas consolidadas de planejamento sustentável, uso eficiente de recursos e estratégias de neutralidade climática para os campi, demonstrando que a Universidade é capaz de aplicar internamente as soluções que defende externamente.
O protagonismo acadêmico ganhou ainda mais força com a participação da USP em painéis internacionais ao lado de instituições de ensino de diversos países, expondo resultados replicáveis relacionados à integração da sustentabilidade à gestão acadêmica, restauração ambiental e inovação climática. Entre as iniciativas expostas, destacou-se a bioeconomia baseada na sociobiodiversidade paulista, desenvolvida em parceria com comunidades locais e valorizando práticas sustentáveis de uso dos recursos naturais. Essa abordagem, que associa conhecimento técnico à vocação socioambiental dos territórios, reforça a capacidade da Universidade de construir soluções estruturantes conectadas às pautas globais.
Antes mesmo da conferência, a USP tomou a frente ao promover, no campus de São Paulo, o evento Pré-COP30 na USP: transformações necessárias para a construção de um futuro ambientalmente equilibrado e socialmente justo. A iniciativa reuniu autoridades governamentais, especialistas nacionais e estrangeiros e representantes da sociedade civil, antecipando os grandes temas que seriam discutidos em Belém, como transição energética, biodiversidade, mudanças climáticas, adaptação e políticas públicas. Foi o tipo de movimento que só instituições com visão de longo prazo são capazes de promover, um ensaio estratégico para a COP, conduzido com a seriedade que a ciência impõe.
Nas entrevistas e manifestações públicas, especialistas da Universidade destacaram a necessidade de conectar a agenda climática aos territórios, defender a adaptação baseada em evidências e transformar conhecimento científico em política pública duradoura. Enquanto os discursos oficiais em Belém muitas vezes se restringiram a promessas condicionais, a USP apresentou resultados concretos, já implementados e monitorados. Se a COP terminou com um documento final tímido, as universidades que lá estiveram atuaram como contraponto, preenchendo com eficiência aquilo que faltou em ambição.
O que se viu em Belém foi a demonstração inequívoca de que a transição climática depende de instituições capazes de pensar sob perspectiva de longo prazo, livres das pressões imediatistas de ciclos eleitorais ou das incertezas do mercado. A universidade pública, por sua natureza, cumpre esse papel. E a USP, com o avanço de suas políticas institucionais de sustentabilidade, mostrou estar preparada para orientar essa transição com base em conhecimento científico, inovação tecnológica e responsabilidade ambiental.
Frente à insuficiência das respostas globais, as universidades, como um todo, evidenciaram que o Brasil dispõe de conhecimento qualificado para liderar soluções. A crise climática exige ação imediata, mas exige também inteligência estratégica. As universidades ofereceram ambas. Mostraram que não é preciso aguardar consensos internacionais para implementar medidas eficazes: elas já estão em curso dentro das instituições que adotam a sustentabilidade como princípio orientador.
Se a COP30 parece ter chegado ao fim com a sensação de que o mundo ainda caminha a passos lentos, as universidades mostraram que é possível mover-se com consistência. A ciência pública brasileira decidiu, ela mesma, começar a construir o futuro. E talvez resida aí a ironia mais pertinente de Belém: enquanto negociadores debatem como agir sem ferir interesses estabelecidos, as universidades públicas já demonstram, em sua prática cotidiana, que não há modelo de desenvolvimento fora da sustentabilidade.
Agora, cabe aos demais atores correrem para que não pareçam ter perdido o barco, ou pior, a direção.
________________
(As opiniões expressas nos artigos publicados no Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)
________________